Dança profana
Era noite de todos os santos
Pulsavam-me tantos demônios
De vinho e ópio entorpecido
Em orgíacas celebrações
Notas de raras canções
Voláteis pelas ruas seguiam
Meus passos embriagados
Embrenharam-me estranho salão
Eram cortinas esvoaçantes
E à luz de candelabros
Bebi taças inebriantes
Em espelhos dourados
Vagavam sôfregas visões
Vultos que surgiam e sumiam
E ao alto da escadaria
A Deusa mais bela eu via
Entre todas dessa terra
Tanto pedi, implorei
Que Ela enfim desceria
A mão tão frágil estendeu-me
Suspirei ternuras:
— Tu és sublime, oh, bela criatura!
E na noite sombria, neblina
Baile de valsa e violinos
E nos giros mais loucos
Rodopiávamos afoitos
Foi quanto, ah cruel desatino
Um espelho trincado revelou-me
A foice do destino
Da musa outrora soberba
Entrevi a face pútrida
No rosto encovado
Olhos mortiços
Empestados de vícios
Da pele esverdeada
Vi putrecentes tumores
Ameaçando transbordar
Sufocavam-me odores
Senti na pele lacerações
Das unhas imundas
Escorriam infecções
De rouxidão nauseabunda
E junto a mim estremecia
O corpo esquálido
E na boca que fora tão rubra
Floresciam dons de germes
Brincavam gordos vermes
De um grito sufocado
Ardiam aflições
E rodopiávamos ainda assim
Os instintos tresloucados
Do tempo passado
No salão esfarrapado
Ah, não sei, não sei
Quando enfim calou-se a canção
O hálito pestilento murmurou-me:
— Sou aquela que tanto procuras
A que devora a tenra infância
Dos velhos lacera a carne
Não me curvarei a nada
Nem à prece nem ao ouro
Ajoelhei-me aterrorizado
Temendo fitar tão cadavérica face
— Não, não temais, ó cavalheiro
Dançaremos uma outra vez
Só não esqueça nunca, jamais
Da dama no salão dos espelhos!
Dita a sentença
Restou-me o vazio
Na fronte, grisalhos cabelos
Hoje trago na pele
A herança malfadada
Das unhas infectadas
E na alma o arrepio
Daquele estranho bailado
Em pesadelos, murmuro ainda:
— Monstruosa és tu, ó Deusa,
Soberana Deusa da Morte
E Sublime na beleza revelada!
Tânia Souza
A visão do sagrado e do profano em uma belíssima poesia, sucinta e bem elaborada, parabéns
ResponderExcluirhttp://intercon-x.blogspot.com/