Por Tânia Souza
Naquela manhã, Arildo vestiu seu melhor terno, perfumou-se e, mal o sol nasceu, saiu de casa tendo nas mãos angulosas as mais belas flores do campo e uma carta em papel elegante. Percorreu a cidade segurando estas preciosidades. O sujeito alto, magro e soturno estava noivo, antes de noivo, viúvo. Muito tempo se passara até que voltasse a viver a vida e tivesse a coragem de abandonar a fidelidade a Ana, seu primeiro amor.
Quando as estrelas começavam a surgir e ele não voltou, a noiva desesperou-se, cruzou as pequenas ruas em busca do noivo e ninguém sabia do seu paradeiro. A cidade parou em busca de Arildo, mas o homem simplesmente desaparecera. Por toda noite procuraram, entretanto, somente no dia seguinte, lembraram-se: era outubro e todos os anos, naquela data, Arildo levava flores para sua falecida esposa no cemitério da cidade.
Assim, sobre o túmulo, ao lado de flores cuidadosamente arranjadas, apenas um papel amassado jazia. Era a carta escrita por Arildo, a carta que o delegado leu com apreensão. Em letras caprichosas, lia-se:
Feliz aniversario amor.
Desculpe-me as olheiras, o rosto pálido. Confesso que esta noite não pude dormir, tamanha ansiedade tomava-me que o sono se foi e a cama parecia repelir-me. Eis-me aqui com teu presente, por muito tempo pensei no que te oferecer nesta data tão especial, um presente que mostrasse meu amor e a eterna fidelidade que sempre te dediquei. Decidir não foi fácil, estive conversando com pessoas diversas e cada uma sugeria-me algo, alguns, tolos, não entenderam a relevância desse momento, outros, misteriosamente, pareciam conhecer e entender os desejos de meu coração, pois esta é uma data especial, eterna. Hoje é nosso aniversario de casamento; hoje, quero apenas oferecer minha promessa de que, ainda que tenha encontrado uma nova companheira, para sempre te amarei. Receba estas flores amor. Aguardo o dia que novamente estarei em teus braços.
Para sempre teu
Arildo
Um silêncio respeitoso pairou no ar, o delegado fez uma pequena pausa, mas antes que a pequena aglomeração começasse a falar, prosseguiu, a voz levemente alterada:
É nosso aniversario de casamento e também eu tenho um presente, eis que ainda nesta noite, dormirá em meus braços. Feliz aniversario meu amor.
Para sempre tua,
Ana
Em letras trêmulas, destacavam-se estas rubras palavras, que penetraram no imaginário dos que ali estavam e por muito tempo seriam relembradas. As testemunham e, posteriormente, a firma reconhecida em cartório confirmaram, em letras de sangue aquela era a caligrafia da viúva. O delegado abominava os que as provas revelavam, todavia, quando conseguiram autorização para abrir o caixão, finalmente encontraram o corpo de Arildo. A face em decomposição deixava entrever um terror absoluto. As unhas estavam quebradas e o sangue enegrecido entre os dedos dilacerados por farpas da madeira revelaram as tentativas desesperadas de mover a tampa do caixão. Arildo entrara em óbito firmemente enlaçado pelo abraço possessivo de sua falecida esposa.
Nota da autora: este conto é uma obra de ficção, não traduz minhas crenças ou opiniões; qualquer semelhança com nomes, fatos ou pessoas reais é mera coincidência.
Tânia, e seus contos incríveis! O que mais dizer?
ResponderExcluirParabéns minha escritora favorita!
^.^
bjos
Tania, meus parabens!
ResponderExcluirVc escreve divinamente bem.
Bjos
Boa noite,
ResponderExcluirSobre seu comentário na postagem - Bruxas figura de poder - da câmara dos tormentos, creio que não haja problema em fazer a ligação direta para o seu blog. Fique a vontade.
Até breve!
Gabriel
Tânia,
ResponderExcluirque texto maravilhoso...cada parte q eu ia lendo ia imaginando a cena...na hora q abriram o caixão do arildo então...
nossa vc arrasa nos textos...consegue passar uma realidade profunda neles...é coisa da gente viajar mesmo...=)
Parabéns...vc é maravilhosa...
amo seus contos...
Personas, fico super feliz que tenham gostado, este conto foi para um desafio no Fórum da Câmara dos Tormentos, valeu mesmo!!!
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