Cacos. Os pedaços do espelho estão sujos, marcado pelo tempo. Assim como o rosto refletido. A mulher não se reconhece na nudez do reflexo. Cabelos oleosos caem, ralos e desordenados, ocultando seus traços. Olhos grandes, circundados por uma sombra escura, não escondem: ela tem medo. E cansaço.
Quando ergue as mãos e toca os longos fios, eles se soltam e caem por entre os seus dedos. Ela sorri com tristeza, a mão desce e com suavidade passeia por onde antes existiam curvas e sente os ossos pontiagudos, parecem perfurar a pele de dentro para fora.
Um ruído interrompe seus devaneios e um rato minúsculo percorre o aposento. Fome, sim. Forças para caçar, não. Um desperdício, já não havia tantos ratos na velha habitação. O camundongo se foi entre os detritos.
Ela sabe que é fraca. Sempre o soube. Fraca demais para o combate, fraca demais para desistir. Mas a face refletida nos cacos do espelho está decidida. Uma faca do mais puro aço reflete a luminosidade que vem lá de fora. O aço brilha como seus olhos. Suavemente, ela encosta a lâmina nos lábios, ainda atenta ao espelho. Um beijo gelado, murmura. E ri.
“Essa gracinha pode durar muitos e muitos anos. E salvar a sua vida, meu amor. Limpeza, amore, é preciso lavar com cuidado, secar, não deixar em contato com outros metais e nunca, nunca expor ao fogo.”
Ela gosta do contato frio contra o mormaço em sua pele. Sente a lâmina afiada e, de olhos fechados, imagina seu sangue escorrendo sobre o aço com delicadeza. Os dedos adivinham o cabo de marfim, a parte serrilhada, e a unha raspa a ponta perfurante. Linda! Letal! Riu novamente.
Houve um tempo que rir era comum. Como quando ouviu pela primeira vez falar no fim. O fim dos tempos, o fim do mundo. Depois, toda a alegria se fora.
Decidida, a moça ergueu a faca. As longas mechas caem pelo chão. Os cabelos vão sendo cortados sem rumo até ficarem mais ralos. Não fossem os seios miúdos, poderia ser tomada por um garoto. Mas é justamente o que ela deseja.
Ela nunca acreditara no fim. E estava certa. O fim realmente não havia chegado. Não para ela. É uma sobrevivente, pois para desistir, também é preciso coragem. E isso, a garota nos cacos do espelho não tem.
Fraca demais para desistir
Fraca demais para morrer...
Continua...
AHH, Tânia, que habilidade fantástica essa que tens pra deixar o leitor receoso e ao mesmo tempo faminto pelo que virá a seguir.
ResponderExcluirmuito obrigada Rosa, espero que goste das sequências que estão por vir, beijuus e obrigada pela leitura.
ResponderExcluirParabéns Pelo blog
ResponderExcluirbelos posts
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Seguindo e já salvo nos favoritos!
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