1 de nov. de 2010

Sina

Sina

Um roto andarilho
Pedia-nos a licença
De uns versos contar
Enquanto o navio
No porto aguardava

E frente a espera ociosa
Lúgubre cantilena tomou lugar

Falou-nos o cantador
De mórbida noite
Onde embriagado
Em velha taverna sonhava

Quando ao vento mais forte
Um violinista triste chegou
Versos tristes a declamar

Era o violinista poeta
Servo da escuridão
E em macabro oficio
Seguia em poemas
De severa desolação


Eis então
Na noite trevosa
Naquela taverna ociosa
O nobre ouvinte
Em debochada ironia
Ironizou mórbida inspiração

Calado o violino
Deu-lhe um sorriso
E em rubro desatino
Lamentou os versos
Que gravei no coração

Gemiam cordas doloridas
E o poeta interrompia-se
E fitando o nobre crítico
Declamava em calma aflição

— Não, não sorrias
Dos meus versos pálidos
Não seja cruel delator
As poesias de sombra vestidas
São uma ode ao horror
Mas vão seguindo a noite
Revestindo-se de amor

Lembra-te do poeta que dizia
Não é para sorrir que se vive
Os murmúrios e lamentos
Que propicia-nos a vida
São prenúncios de eternos sofrimentos

A morte espreita
E nos caminhos que ceifa
Gargalha satisfeita
Tu, que ousas sorrir
Beijarás a lápide fria
Dos teus joelhos
Vermes se nutrirão
Em torturante angustias
Implorarás por perdão
Quando de tua carne
Não suportar a podridão

O inferno, ó criatura insípida!
Não é de chamas e demônios

Tua sina maldita
É ouvir a eternidade
Em tumba proscrita
E servir de alimento
Aos rastejantes irmãos

E cada vez que meu verso
Declamar-se sombrio
Aos murmúrios do violino
Tua sede em gotas se saciará

Esperarás ansioso
Como tantos esperam
Saberás destas lamúrias
Em sangrenta solidão

Túmulo em soturna eternidade
Eis o que a mórbida ceifadora
A ti reservando está
Por tão pródigos dias
Que por esta vida levas

Por eternas eras
Turvos pensamentos
Ao hálito da podridão
Serão teus tormentos

Feita a sombria previsão
O violinista triste partiu
Minha saga meu destino
A ironia minha decidiu
— E desde então sigo a sina
De romper a maldição...

E assim dizendo
Com lágrima sentida
O enrouquecido poeta
Andarilho solitário
Sumiu na escuridão

— E desde então sigo a sina
De romper a maldição...

— E desde então sigo a sina
De romper a maldição...

...De romper a maldição...

a maldição

Tânia Souza

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