19 de set. de 2011

Angel - Marcio Renato Bordin


Angel

Um conto de Marcio Renato Bordin

No balcão, os bêbados gritavam pedindo mais uma dose, cambaleantes nas próprias pernas. Uma mulher vestida em farrapos, parada na rua segurava os filhos barrigudos pelas mãos e camisas enquanto gritava pela alcunha de seu marido... Um dos bêbados... Fosse qual fosse, nem se dava o trabalho de olhar para a porta. 

Uma dupla sertaneja de quinta categoria cantarolava mais uma música de seu repertorio brega. Aquilo doía mais nos ouvidos do que os gritos histéricos da maltrapilha esposa lá fora.

N’uma mesa em minhas costas, um grupo mais jovem jogava truco enquanto enxugavam caixas e caixas de cerveja...  Esmurravam a mesa aos berros, subiam nas cadeiras, xingavam e riam... Minha cabeça parecia que iria explodir a qualquer momento.

Era noite de sexta-feira. Só queria tomar algo para relaxar o corpo da estressante semana que findara. Parei no primeiro bar que encontrei. Bebericava minha cerveja no balcão. Um copo n’uma mão e um cigarro na outra. Estava ao lado dos bêbados, de costas para os jogadores, perto dos músicos... Nunca tive tanta certeza de que o inferno existe, e eu estava nele.

Ráptus: s. m.

Psiquiatr. Impulso violento e brusco que pode levar um homem a um Ato violento fazendo-o perder o controle sobre si próprio.

Eu estava prestes a sentir na pele o verdadeiro significado dessa palavra... Ráptus.

10 de set. de 2011

Das realidades

— Vamos brincar? Eu tenho um coração!
— E eu tenho uma
faca.

 

Tânia Souza

6 de set. de 2011

de(s)caminhos

sigo descalça entre corpos e sonhos depedaçados
sentindo entre-os-dedos ausência de verve vida
há pedras, espinhos e ferrugem
guiando estes passos bêbedos e famintos

chove agora num lugar qualquer
dançam violentas sob carne e esperança
velhas lágrimas desperdiçadas

unhas e esmaltes descascados de outrora
sobre os destroços da última guerra
 asas cortadas sob agônica aurora

ainda há flores no caminho
ah, estas pétalas sanguinolentas
ferem de espanto minhas iris
farpas em cilios quase adormecidos
       
ácida e lasciva cor em boca-e-dente
estilhaça meus sentidos
resquícios de sonhos e gemidos

sigo em pés desnudos e lamento violino
esqueço-me, anjo perdido em ancestral batalha

5 de set. de 2011

fome

sinto seu cheiro e o instinto só me conta
da minha fome
fome fome fome

entremeusdentesuacarne
fome fome fome

e voce escorre nos meus lábios
é tao quente baby
ah como eu quero
e meu sangue se aquece
ah, é tão quente e seu cheiro me apetece
fome fome fome

minha lascívia se embriaga em sua saliva
minha rosa azul
queimando mundo em blues

e sua alma é tão doce
que uma lágrima triste queima pele fria
e lembraria com saudade
essa alma já foi minha

você é tão doce
em minhas sombras sua luz

me dê sua boca baby
            sua pele a minha febre
                                     a minha sede  
                                                 a minha verve

mas a fera ri e saliva em fome
fome fome fome
e minha lascívia se embriaga de sua saliva

e seu coração é tão doce baby
escorrendo em meus lábios
derramando-se rubis em minha pele

e o vento em seus cabelos só me trazem o seu cheiro
e o vento em minha face só me beija o seu cheiro

o luar argênteo ri e debochada a fera espia
e das sombras os dentes dilaceram a alma

eu sorvo sua lágrima
ela é tão quente baby
quando você morre
sou apenas sombras

e o seu gosto é tão doce ferindo
minha garganta embargada
dilacera meus ossos
e encontro-me em sombras

violinos baby
violinos choram
e suas lágrimas ainda queimam
minha pele fria
fria
fria
enquanto morre a alma minha

os ponteiros tristes de um relógio insano giram
ao som de violinos violentos
violinos que choram baby
em meus seios pálidos palpitam sombra e solidão
e suas lágrimas ainda queimam minha face
minha pele fria fria fria
enquanto morre alma minha