12 de set. de 2010

enquanto chove



enquanto chove

eu gosto das chuvas entardecidas
quando caem de repente as águas do mundo
e me vejo surpreendida e derretida
menina mulher femínea

a chuva então me chove
e vou andando pelas calçadas
vendo a noite chegar
vendo o breu me aconchegar

faróis iluminam asfalto em dourado
desimportam minhas roupas coladas
não há lascívia nem pudores
sob asas invisíveis de anjos molhados

vejo passos insanos por ruas desnudas
cada qual perdido em si
paixões repentinas retidas refletidas
nas poças d´gua quebradiças almas
tristeza maior não vi

e no asfalto molhado
algum resquício em dourado
sob a luz de um poste reflete
sonhos que ainda persistem
nem sabem que inexistem
em mundo esquecido de sorrir

trilce lantejoula em falsa jóia
tolo ouro de uma moça sonhadora
tecendo quimeras
sob a chuva o dourado das luzes
talvez flores sejam
d’alguma primavera
enquanto a noite escorre pelos becos

e quando do abismo escuro a água desce
a chuva me chove e chovo e choro
a tristeza que minha alma tece
deságua e quer voar
e vou por ai, aprendendo a chover
por um alvorecer que nem sempre vem...


Piedra negra sobre una piedra blanca - Cesar Vallejo


 Cesar Vallejo - Poeta

Piedra negra sobre una piedra blanca

Me moriré en París con aguacero,
un día del cual tengo ya el recuerdo.
Me moriré en París -y no me corro-
talvez un jueves, como es hoy de otoño.

11 de set. de 2010

Espectro - Tânia Souza

Espectro 
Tânia Souza

Da serpente, eu quis a lábia
Ser o pecado a tentação
 
Da águia, a visão
O bote e a precisão
 
Da coruja, a sabedoria
A calma e a decisão


Mas restou-me do destino 
A carne pútrida
A gripe o vírus a febre
 
E esta cara de abutre
A espera dos dejetos
Das feras da terra



Para meu amigo Boi ( Luciano Alencar )

De cinza e brisa - Tânia Souza

de cinza e brisa

e numa tarde azulêncio
cinzas na brisa

são texturas de veludo
desfazendo-se ao tempo

e nas chamas que findaram
solidão no crematório

numa tarde qualquer
o infinito se faz
de cinzas
azul
e silêncio
nas mãos de uma menina
brincando de viver

em tantas ternurinhas
o sorriso da morte

3 de set. de 2010

Ah, sá moça, sei falar de amor não

Ah sá moça, não sei disso de amores não
Nas meninices até sonhei
Essas suspiranças vem da saudade de um certo moço
Moço bonito de um olho mais azul que nem sei igualar

Naquelas épocas o sol ainda aromava dourados em mim
Foi quando comecei a sonhar azulêncios
Foi quando vi os olhos tristes de Antônio,
Peão guapo que só, na laçada não tinha igual

Mas dia que as mãos e calos do Tonho
Brincaram nas minhas tranças
Voz macia falou baixinho
Teus cabelos são trigo e ouro Maria
E o solzinho da tarde indo embora
Riso dele calou dentro de meu coração pra sempre sá moça

Mas feito ferroada de mosquito brabo
Que me sarou o relho do pai, marca tenho na carne até hoje
E o sangue do Tonho faca levou, pai limpou na chaira
Nossa terra bebeu não

Foi a febre sá moça
Dia e noite de choro e um escuro aqui dentro

Depois? sei não
Ah, depois foi o depois
Tempo que vai e que vem
Moça não desobedece a pai não, sabe
Tempo trouxe quase esquecimento
Quase....

Escuro aqui vez em quando volta
Saudade vem sempre
Quando dia vem caindo assim devagaroso
Sol meio aquarelando o rio
Ah saudade doída doída
Do que nem sei nem vivi
Daí é a febre sá moça
É a febre
 

E o riso do Tonho ri aqui dentro
Tal qual naquele dia
No campo de trigo
Bem pertinho do pôr-do-sol
Isso a faca do pai não levou

Levou não...