enquanto chove
eu gosto das chuvas entardecidas
quando caem de repente as águas do mundo
e me vejo surpreendida e derretida
menina mulher femínea
a chuva então me chove
e vou andando pelas calçadas
vendo a noite chegar
vendo o breu me aconchegar
faróis iluminam asfalto em dourado
desimportam minhas roupas coladas
não há lascívia nem pudores
sob asas invisíveis de anjos molhados
vejo passos insanos por ruas desnudas
cada qual perdido em si
paixões repentinas retidas refletidas
nas poças d´gua quebradiças almas
tristeza maior não vi
e no asfalto molhado
algum resquício em dourado
sob a luz de um poste reflete
sonhos que ainda persistem
nem sabem que inexistem
em mundo esquecido de sorrir
trilce lantejoula em falsa jóia
tolo ouro de uma moça sonhadora
tecendo quimeras
sob a chuva o dourado das luzes
talvez flores sejam
d’alguma primavera
enquanto a noite escorre pelos becos
e quando do abismo escuro a água desce
a chuva me chove e chovo e choro
a tristeza que minha alma tece
deságua e quer voar
e vou por ai, aprendendo a chover