28 de ago. de 2010

Meu nome é Ana e eu vou matar você


Meu nome é Ana. Eu vou matar você. E prometo, você vai gostar.

Ana. Um nome simples para uma garota comum, caminhando pelas ruas de uma cidade esfumaçada e suja. Ao mundo, sou a imagem de uma garota que vaga na noite escura e conta outra sina, menina de família, comportada Ana se arriscando por lugares obscuros. A quase inocência costuma ser um atrativo interessante. Você me olha e vê uma moça que estudou, mas não muito, deduz que vou me casar com um bom rapaz , que devo ser apenas mais uma Ana e, quem sabe um dia, esposa, mãe, avó . Talvez o que veja seja apenas uma boa menina, com vontade e desejo de se arriscar.

Os seus olhos e os olhos do mundo não me vêem: não como uma andarilha; não essa criatura perversa, lasciva, sedenta de sangue e vingança; não uma moça que se esconde nas sombras; não uma arma. Não como de fato sou.

Mas é agosto. E devo pagar minha dívida. Agosto tem cheiro de sangue, de carne e desejos inconfessos. Quando agosto chega, desperto em minha sina ancestral. Sinto então os sonhos mais secretos de cada um e meus seios estremecem na ânsia de uma missão que outrora me causou tanta dor. Quando agosto chega, é hora de caçar.

Meus saltos ecoam na calçada e os olhos mortiços da noite me seguem. Essa cidade tem cheiro de fuligem. Eu gosto do cheiro infecto destas ruas. Mas não devo ficar aqui por mais tempo. Vejo a cidade uivando entre as luzes e sombras... Os passos dessa gente carente, perdida entre concreto e metal retorcido, olhos embaçados com tanta sede e vicio me buscam e ainda que não saibam, me imploram a cada dia. No entanto, você foi o escolhido. Sinto sua alma percorrendo-me e suas paixões me renovam. Eu sou a faca, a arma apontada para seu peito, a lâmina que vai dilacerar sua carne. Mas ainda assim você sorri e vem a mim. Entregue. Dócil.

Meu nome é Ana. Eu vou matar você. E depois, bem depois verei por onde vou... Não é minha escolha matá-lo. Nunca escolho e aprendi a não negar, a dor é muito forte. Eu não gosto da dor. Bem, talvez goste, um pouco. Afinal, é agosto e para meu gosto, o seu. É o tempo de caçar e pagar a minha divida. É agosto.

Você tem os olhos do mundo, agora fixos em meus lábios e, olhando para minha boca, ri quando digo que sou perigosa. Sim, já lhe disse que sou perigosa. Não gosto de mentir. Você sorri e não acredita, acariciando minha face. Você vê apenas a beleza que Ele me deu. Toca em meus cabelos vermelhos, tão preso em meus olhos verdes, bonita sim, quase nem creio no espelho. Bonita e letal.

Eu bebo seus gemidos quando minhas unhas rasgam sua pele e ainda assim, me implora por mais. E quando minha língua lasciva sorve suas lágrimas, seu sangue sacia minha sede em sua carne morena. Enfim, por alguns dias você é meu, totalmente meu. Pois é agosto e Ele espera por você.

Quem eu sou? Não importa baby, sou um anjo de asas dilaceradas.   Alguns me chamam infâmia, insanidade, epidemia, desgraça, peste, raiva, desgosto. Mas meu nome é Ana.

27 de ago. de 2010

Crepúsculo










Tinta do sol caindo
No rio aquarelou tristezas

Tudo tão bonito
Tanto que dói
Disseram ser poente

Mas parecia poesia

26 de ago. de 2010

noturna


noturna

luar de febre e açoite
tangendo crueza e frio na noite

feito farol ferido
em cílios curvos de tempo e rímel
 luar refletido


caninos de súbito aflitos
olhos mortiços
a loba uivou longamente
de fome e fúria e dor o seu gemido

noite enluarada
fera e bela
nalguma esquina
caça ou caçador
... vaga quimera

e depois?
e depois nada
 eco de saltos na calçada

estraçalhados cristais
luar no asfalto
 sorve ilusoes quebradas
 
ri lejana e fria a lua
alma devassada e nua

é noite
e criaturas vagam
reluz a solidão da rua

algum resquícios de febre
em rubro luar
enquanto ela se vai
pés descalços
se vai
insaciadamente
 se esvai

25 de ago. de 2010

Aos olhos da morte - de de M.D. Amado



Venha conhecer as complexas faces da morte em contos que vão do terno ao sombrio, do humor a mais pura emoçao. 
 
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17 de ago. de 2010

O Desafio das Cores

O Desafio das Cores 

             Entre os diversos mundos que existem no Universo da Fantasia, um era o mais assustador e temido por todos os seres: o Reino Umbroso. Neste mundo escuro vivia um rei muito poderoso, o Rei Medo. Um imperador tão antigo como o homem que vivia no mundo superior. O Rei sempre esteve presente na história da humanidade, seus impulsos guiavam a terra das sombras por caminhos inomináveis. As feras e monstros eram seus servos mais fiéis... O sonho da realeza era permanecer nos corações humanos ceifando qualquer esperança. Seus soldados possuíam poder imensurável, vampiros, lobisomens, homúnculos, grous, trolls, ogros, bruxas, entre outros, todos ousavam ir ao mundo superior a serviço do Rei. Mas nem sempre eram bem sucedidos.

             Pois havia no Reino Umbroso um povo de heróis, os Escritores Sombrios. De suas mentes e lápis escuros como a noite, surgiam lendas e histórias tenebrosas que eram lembradas por muitas eras na Terra dos Homens. Estas histórias assustavam. Mas quando o narrador dizia Fim, todos sabiam que o sol nasceria novamente. Todos podiam sentir que o universo era cheio de fantasia e sempre a luz surgiria. A eles, aos escritores, os Reis da Fantasia, no Equilíbrio de Todas as Coisas, delegaram a estas gentis criaturas o doce e doloroso ofício de dar vida ao medo, tecer as sombras para que todos pudessem saber que existiam e aprender a não se deixar dominar por elas. Pois o Rei Medo era poderoso, podia se infiltrar em corações desavisados e assim, criar mais soldados das sombras.

16 de ago. de 2010

a sua boca


                     ah, a  sua  boca garota...

   essa sua boca vermelha
   luxuriosamente vermelha
   lambuzada de batom
                              

                      a sua boca garota
                      é tão lírica e cheia
                      voluptuosamente rubra
                      lábios e sedução

          mas que importa garota?
se você ainda chora
                               e boca borrada de batom
                               fica assim
           se olhando no espelho
lágrimas em batom vermelho

                             e estes olhos mais vermelhos ainda
                             não se cansam de chorar?


13 de ago. de 2010

13

Entre as sombras
Vagam trêmulas e imundas
13 almas moribundas

Escravas de vícios
Em deleites mórbidos
Seus risos espalham
Delicada decomposição

Foram 13 noites
Mortas 13 noivas
Viva carne em açoite
oferenda e devassidão

.....13 covas
.................13 corpos
...........................13 passos

A promessa de um negrume eterno
A concreta presença do inferno
Na noite que o 13 se fez rei
Não haverá mais honra
Não haverá mais lei
Apenas a dor

E nos rastros no chão
O sangue da multidão
e quando 13 luas rubras surgirem no céu
................13 reis dementes reinarão
................13 séculos de escuridão



Tânia Souza

4 de ago. de 2010

pensamentando...

... a tarde vai descendo lenta, cheia de segundas e eu cheia de intenções.

3 de ago. de 2010

Rancor - Tânia Souza e Victor Meloni



Dedicado a Henry Evaristo
            No quarto escuro, as cortinas moveram-se lentamente enquanto leves respingos negros tocavam o solo de madeira. Na cama, um homem balbuciava em meio a horrendos pesadelos. Uma frase sussurrada entrelaçou sonho e realidade. O lago, mais uma vez o lago e sua superfície negra. Ele se aproximou lentamente. Uma neblina espessa erguia-se em miasmas de madeiras apodrecidas e pedras cobertas por musgos. O tempo todo, sentia-se como se por trás das velhas árvores olhos nefastos o espiassem... No piso de madeira, pequenas poças de água se formavam em direção ao leito. As águas barrentas deixavam sua marca, seu odor nauseante.
— Sr Black....
O homem debateu-se no leito.
— Sr Black... — A voz sussurrava, insistente.— Sr Black, acorde!

Um arrepio de puro horror o percorreu e sentou-se assustado. Sentiu a pele pegajosa de suor. Os murmúrios do sonho ainda permaneciam ao seu ouvido, chamando-o. Ao seu lado, Aimée dormia, ressonando em paz. Há muito tempo Fergus não se levantava no meio da noite, o peito tomado por presságios. A garganta estava seca e em busca de água, caminhou pelo aposento. Saciada a sede, dirigiu-se ao pátio, atravessando-o até a mureta que o circundava.
O inverno ainda não mostrara suas garras, ao contrário, a longa e atípica estiagem parecia não ter fim, mas naquela noite, tudo mudaria. Foi ate a janela e lentamente aspirou o ar da noite. A casa parecia coberta por uma luz esverdeada doentia e o céu encobria, entre as nuvens escuras um luar de envolto em vermelho, enquanto um vento gélido soprava respingos de uma chuva distante.  O frio chegara com a madrugada. As nuvens moviam-se de forma assombrosa e prenúncios de uma tempestade se apresentavam. 

A tonalidade expressamente laranja tomava a noite e os andares da pequena fortaleza erguiam-se intocáveis, Fergus Black observou a paisagem pelo telescópio. Algo estava chegando. Poderia pressentir nos pêlos arrepiados dos braços. Nas fundações em pedra, na madeira que rangia levemente ao vento. Nos galhos das arvores agitadas. Voltou os olhos ao confuso labirinto que circundava a mansão onde vivia. Nada além de guardas ocasionais na ronda noturna. A estrada em espiral que conduzia à casa permanecia isolada, vazia. Ninguém ousaria se aproximar do lugar fortemente armado. Do lado oposto, o lago. A superfície pareceu-lhe um negro espelho. Ao longe, a chama de um fósforo e o brilho de um cigarro. Respirou mais calmo, os guardas eram de sua inteira confiança.  

De súbito, vislumbrou nas pedras o que poderia identificar como um vulto escuro se arrastando. Fixando o olhar, suspirou aliviado quando uma ave sombria alçou vôo na noite. Observou mais uma vez as escadas em espiral, preparando-se para voltar quando seus olhos foram novamente atraídos para o lago negro, que se movia tal como se estivesse sendo cortado pela travessia de um visitante desconhecido. Arrepiou-se e voltou-se pronto para atacar o dono da mão fria que lhe tocava o ombro. Era apenas Aimée, a Sr Aimée Black, lhe abraçando:

— Volte para cama amor, está frio.

Olhou mais uma vez ao lago, que agora permanecia tranquilo. Vencendo a inquietação, voltou para seus aposentos e, tentando não se lembrar dos pesadelos, logo adormeceu.

            No lago, o corpo esguio atravessou as águas escuras. Lentamente o vulto tomava a forma de uma moça que escalava as pedras, o vestido longo e negro desfazendo-se ao contato com a rocha cortante. Os cabelos pingavam e a pele era escura como a noite. Entre as sombras, tudo o que se via era a água vencendo a terra seca, caminhando lentamente em direção a mansão. A voz era baixa, feminina, sussurrada entre desespero e sedução.

            —... Sr Black! Venha Sr Black!

            Ela estava em meio as águas. Os longos cabelos ruivos e ondulados. A pele apresentava-se úmida como se coberta pelos mesmos musgos que espalhavam-se nas pedras. Black aproximou-se do lago. Um véu enegrecido e transparente se espalhou na superfície. Procurou e suas mãos encontraram um galho na beira do lago. Estendeu-o e tentou puxá-lo, mas quando estas a tocaram,  a renda apodreceu e retornou ao negrume das águas.  Ousou entrar, em direção a ela. Quando vislumbrou um sorriso, ao seu redor o sangue espalhou-se sob o espelho líquido, como raízes rubras, cobrindo a superfície escura pela cor vivida e sanguinolenta.

Sua imagem fornecia os ensejos do desespero imanente. Aquele que opugna todas as virtudes, onde o vício escarnece da hipocrisia inerente a todas estas, sem exceção. Este paroxismo de aflição perpetrava-lhe o cartesianismo irreparável da alma e do corpo. Fergus serviu-se do medo inflexível, sentindo o amargo, o azáfama, forçoso da sua presença. Perscrutou as margens a emanar, recrescidas, o vapor da condensação e sentiu o conluio dos vapores, dos calores, com o malsão. O álgido que lhe cobria à cintura, tilintava-lhe os sentidos. Entorpecia tentativas de lograr a razão naquele endereço. A sobejar em laços encanecidos, misturados ao púrpuro visguento do liquido a dominar o recurso natural, em tranças que em dança lôbrega, abraçando membros enregelados, tronco em expansão, de um parco espírito dessorado pela vívida intenção do espectro.

- Sr Black, por que não atendeste meus desejos? Onde guardava sua máscula natureza nos dias quentes que insistiam em oferecer-me? Sr Black, onde estou agora que lhe quero mais? Sr Black, posso?

Faculdades existem para guiar-nos num mundo onde idéias e seu concreto são necessários. Onde, então, se um desvio obrigatório se apresentasse? Ali, Fergus Black encontrava angústia e dor, sufoco e rancor, miséria e terror. Ali, Fergus Black quedou-se no lutulento resultado das suas escolhas. Da sua pusilânime escolha.  

(...)

As sentinelas percorriam os perímetros. Escrutavam as trevas que, em deliberação, escondem-nos as entranhas. O silêncio fazia-os sossegarem. Seu senhor estava em segurança indubitável. Nada passara por seus diligentes olhos. Nada escapara a seus atentos ouvidos. Um ou outro mamífero silvestre. Algum réptil ignóbil. Nada mais. A suave fumaça deixava, ominosa, o fumo que lhes regozijava a carne. A lhes intumescer a garganta cheia de favores e imprecações. Alguns seixos jogados ao lago. Uns repetiam sua trajetória, batendo algumas vezes no espelho d’água. Outros afundavam sem tal peripécia. Todos “a” atravessavam. Os guardas? Nada enxergavam, a não ser um horizonte que se ia, tomado pelo negrume breve. Antes destas trevas, suspenso na superfície glacial, o apodítico destino daqueles que zombam do extraordinário. A sentença cabal dos corações cobertos em chagas, que se resumem no conspícuo aferro da vingança constrangida. Pelo quê? Pelo rancor que crispa todos os espíritos dissimulados pelos sofismas da virtude máxima. Créscimos do que outrora constituía a matéria de Fergus Black, nadavam no espelho devoluto do lago energúmeno pela expropação da bela Reed.

(...)  

- Fergus? Querido? Novamente encarando a noite, meu amor? Retorne ao nosso leito. Venha aquecer-se, senão pretende resfriar-se.

A silhueta do homem, desenhada contra a janela pela forte luz da noite que impera, permanecia estática. Em silêncio imperturbável. Aimée toca o lado do cônjuge. Pede sua presença novamente, e recebe o relevo inconcusso de outro corpo a vizinhar-lhe. O músculo régio em seu peito dispara vertiginoso. É obsedada pelas mais viperinas sensações, pois sabe-se em últimas de tempestuosa presença. Vira-se reticente, e encara a face encovada, dona de cabelos encarnados e olhos trêfegos, ávidos por supliciar seu objeto.

- Sra Black, por que deputaste seu senhor a tal empresa encarniçada? Sabia-o de espírito entibiado. Entendeste, desde sempre, minhas razões. Sra. Black, por que, então, me julgaste esta frascária? Sr Black, onde estou? Ajuuuuda-meeee...mãeeee....

(...)

Encontrar a maldade que nasce túrgida da veia imperscrutável de atitudes ominosas é, com freqüência, assaz determinante. E esse recrescer que não ouve súplicas de arrependimento arrebata percuciente todos aqueles que deferiram a natureza do castigo impensado. A doce e bela Reed. A menina que fez da paixão sua lápide ignara. Agora repousa sentenças entenebrecedoras àqueles que não a entenderam. E cobra as dores do espírito, em juros da carne.  

2 de ago. de 2010

Feliz Aniversário



F
eliz aniversário
Por Tânia Souza

Naquela manhã, Arildo vestiu seu melhor terno, perfumou-se e, mal o sol nasceu, saiu de casa tendo nas mãos angulosas as mais belas flores do campo e uma carta em papel elegante. Percorreu a cidade segurando estas preciosidades. O sujeito alto, magro e soturno estava noivo, antes de noivo, viúvo. Muito tempo se passara até que voltasse a viver a vida e tivesse a coragem de abandonar a fidelidade a Ana, seu primeiro amor.

Quando as estrelas começavam a surgir e ele não voltou, a noiva desesperou-se, cruzou as pequenas ruas em busca do noivo e ninguém sabia do seu paradeiro. A cidade parou em busca de Arildo, mas o homem simplesmente desaparecera.  Por toda noite procuraram, entretanto, somente no dia seguinte, lembraram-se: era outubro e todos os anos, naquela data, Arildo levava flores para sua falecida esposa no cemitério da cidade.