2 de ago. de 2010

Feliz Aniversário



F
eliz aniversário
Por Tânia Souza

Naquela manhã, Arildo vestiu seu melhor terno, perfumou-se e, mal o sol nasceu, saiu de casa tendo nas mãos angulosas as mais belas flores do campo e uma carta em papel elegante. Percorreu a cidade segurando estas preciosidades. O sujeito alto, magro e soturno estava noivo, antes de noivo, viúvo. Muito tempo se passara até que voltasse a viver a vida e tivesse a coragem de abandonar a fidelidade a Ana, seu primeiro amor.

Quando as estrelas começavam a surgir e ele não voltou, a noiva desesperou-se, cruzou as pequenas ruas em busca do noivo e ninguém sabia do seu paradeiro. A cidade parou em busca de Arildo, mas o homem simplesmente desaparecera.  Por toda noite procuraram, entretanto, somente no dia seguinte, lembraram-se: era outubro e todos os anos, naquela data, Arildo levava flores para sua falecida esposa no cemitério da cidade.


Assim, sobre o túmulo, ao lado de flores cuidadosamente arranjadas, apenas um papel amassado jazia. Era a carta escrita por Arildo, a carta que o delegado leu com apreensão. Em letras caprichosas, lia-se:

Feliz aniversario amor.

Desculpe-me as olheiras, o rosto pálido. Confesso que esta noite não pude dormir, tamanha ansiedade tomava-me que o sono se foi e a cama parecia repelir-me. Eis-me aqui com teu presente, por muito tempo pensei no que te oferecer nesta data tão especial, um presente que mostrasse meu amor e a eterna fidelidade que sempre te dediquei. Decidir não foi fácil, estive conversando com pessoas diversas e cada uma sugeria-me algo, alguns, tolos, não entenderam a relevância desse momento, outros, misteriosamente, pareciam conhecer e entender os desejos de meu coração, pois esta é uma data especial, eterna. Hoje é nosso aniversario de casamento; hoje, quero apenas oferecer minha promessa de que, ainda que tenha encontrado uma nova companheira, para sempre te amarei. Receba estas flores amor. Aguardo o dia que novamente estarei em teus braços.

 Para sempre teu

 Arildo

Um silêncio respeitoso pairou no ar, o delegado fez uma pequena pausa, mas antes que a pequena aglomeração começasse a falar, prosseguiu, a voz levemente alterada:

É nosso aniversario de casamento e também eu tenho um presente, eis que ainda nesta noite, dormirá em meus braços. Feliz aniversario meu amor.

Para sempre tua,

 Ana

Em letras trêmulas, destacavam-se estas rubras palavras, que penetraram no imaginário dos que ali estavam e por muito tempo seriam relembradas. As testemunham e, posteriormente, a firma reconhecida em cartório confirmaram, em letras de sangue aquela era a caligrafia  da viúva. O delegado abominava os que as provas revelavam, todavia, quando conseguiram autorização para abrir o caixão, finalmente encontraram o corpo de Arildo. A face em decomposição deixava entrever um terror absoluto. As unhas estavam quebradas e o sangue enegrecido entre os dedos dilacerados por farpas da madeira revelaram as tentativas desesperadas de mover a tampa do caixão. Arildo entrara em óbito firmemente enlaçado pelo abraço possessivo de sua falecida esposa.


Nota da autora: este conto é uma obra de ficção, não traduz minhas crenças ou opiniões; qualquer semelhança com nomes, fatos ou pessoas reais é mera coincidência.

5 comentários:

  1. Tânia, e seus contos incríveis! O que mais dizer?

    Parabéns minha escritora favorita!

    ^.^

    bjos

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  2. Anônimo10:53

    Tania, meus parabens!
    Vc escreve divinamente bem.
    Bjos

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  3. Gabriel Heinrich19:02

    Boa noite,

    Sobre seu comentário na postagem - Bruxas figura de poder - da câmara dos tormentos, creio que não haja problema em fazer a ligação direta para o seu blog. Fique a vontade.

    Até breve!

    Gabriel

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  4. Tânia,
    que texto maravilhoso...cada parte q eu ia lendo ia imaginando a cena...na hora q abriram o caixão do arildo então...
    nossa vc arrasa nos textos...consegue passar uma realidade profunda neles...é coisa da gente viajar mesmo...=)
    Parabéns...vc é maravilhosa...
    amo seus contos...

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  5. Personas, fico super feliz que tenham gostado, este conto foi para um desafio no Fórum da Câmara dos Tormentos, valeu mesmo!!!

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