23 de nov. de 2010

Anya, a Rainha das Sombras - Tânia Souza

Dedicado aos que partiram, entanto seguem conosco
 nas lembranças mais ternas


Ah, o amor, este sentimento tão cantado por poetas, sonho de noites solitárias e ilusão que acalenta vidas. Por amor, tantas espadas cantaram e o sangue se derramou; a vida se renova, as esperanças se tornam infindas. Por amor, a vida triunfa e a morte se concretiza. E por amor, a saga da humanidade se desenha em sonhos, tragédias e melodias. Mas esta não é apenas mais uma história de amor. As desventuras de Anya, A bela e Ulrti, O Valente, foram contadas por décadas no repouso das casas, à luz das fogueiras e nas longas noites dos viajantes. Duas criaturas condenadas ao mais profundo amor, duas crianças sonhadoras que vivenciaram um sentimento tão intenso e por ele, desafiaram os deuses por um amor que marcou a natureza, moldando os elementos com a sua intensidade, atravessando eras e espalhando pelo mundo a força desse sentimento.

Por muitos anos, se algum viajante se aventurasse pela paisagem absurdamente montanhosa a Oeste de Alfrumtt, poderia ainda encontrá-la. Cravada entre as sombras gigantescas e seculares, via-se uma cabana quase oculta entre as rochas monumentais. Naquele cantinho escondido, as Donzelas Sonhadoras viveram por longo tempo. Diferente das outras mulheres, isoladas, porém respeitadas, essas criaturas místicas dançavam em noites mágicas, com cânticos inebriantes e uma profunda ligação com os elementos, eram guias, detentoras de um conhecimento mais antigo que poderiam recordar-se. Rainhas de luz, nasciam predestinas e nas montanhas, encontravam o seu destino. Dos mais simples moradores das vilas a reis e príncipes, a todos elas atendiam. Entanto, a paisagem já não era a mesma, cinzenta e desolada, cercada por árvores mortas, revelavam a passagem de um tenebroso inverno.

Os murmúrios das noites mais escuras contavam que, quando o frio chegava, uma neblina a circundava e um véu parecia descer sobre a paisagem; nestas horas, até os corações mais endurecidos se comoviam com a tristeza do lugar, pois fora ali, nas elevadas esculturas rochosas que, num inverno triste e melancólico os dias choraram como há muito os homens já não viam.  O vento era então um lamento contínuo, que adoecia os solitários e cobria os viajantes com a insanidade.

16 de nov. de 2010

Instinto

Instinto
 
                                                              
      
       
          Era um vampiro clássico. Nascera em um ano medievo qualquer e desde então, entre caminhos de sombras e lamentos, fizera seu destino. Andar suave. Um dos predadores mais perigosos do mundo velho, porquanto refinado e, sob o fino verniz do charme e da elegância, ardia em lasciva sedução para então, desferir o golpe, o ataque letal consumindo em suspiros uma suave vítima.  Moçoilas, órfãos desamparados, mancebos imprudentes. Quando a caça humana se tornava escassa, caçava entre os animais inferiores, mas sofria um resquício de fome, gostava da essência febril, dilacerar a carne tenra e o frenesi da vida esvaindo-se ao seu beijo frio.

                                                  II

         Assim fora por muitos séculos de morte e eis que a noite o encontra caminhando às escuras. Em Londres, entre vielas sombrias, vultos obscuros e um cheiro rançoso de morte, ele caminhava. E sentia a força da fome. Muita fome. No entanto, a fera oculta rugia, pois sua sede não dependia apenas dele para ser saciada.

14 de nov. de 2010

Insana Paixão



Insana paixão



Ele estava morto, eu sabia, pois com mãos trêmulas cortei-lhe os pulsos, seguindo com os dedos as veias que apareceram enquanto ele fazia força para libertar-se; sabia com o gosto que ficara em meus lábios depois de beijar aquelas mãos que tanto amei, sabia quando lembrava-me do cheiro de sua pele enquanto minhas lágrimas misturaram-se ao sangue que derramava-se. Sim, estava morto. Eu o matei.

10 de nov. de 2010

Noturna



   









noturna

     mea culpa
     culpa mia
     mia a culpa
     mia
           mia...

     mia no telhado
     dor que é só minha

              

8 de nov. de 2010

A rainha do inexorável - Por Tânia Souza


            Talvez seja ela, a morte, a responsável por um dos principais medos e mistérios que a humanidade enfrenta. Na história do ser humano, a morte é a aproximação do inexorável, oprimindo os sentidos e sentimentos. Pode ser temida, ignorada ou desejada. Liberdade ou prisão... O fim de um desperdício ou a concretização de um caminho bem feito. Inesperada, provocada ou procurada. Bela, triste ou violenta. Ser solitária ou compartilhada. Trazer alívio, saudade ou paz

5 de nov. de 2010

inmortal


y a menudo
cuando el domingo duerme
y la lluvia juega en el cielo oscuro
yo pienso em ti
aun que insensata sea
a Dios le pido
tus ojos risueños
languidecientes melodias
en sueños de Vangelis e poesia
  
en sagrada magia
estrellas iluminan mi oscuridad
no hay vida
y no hay muerte
destejido el camino de la soledad

y en la embriaguez de la fantasia
                   el tiempo es roto
         la distancia es nada
son tuyos mis besos
y en mis brazos tu haces morada


voy tejiendo noches de acalanto y melancolia
en sueños de Vangelis e poesia

2 de nov. de 2010

A Morte sentou ao meu lado - Por M.D. Amado


M.D. Amado

Hoje acordei ao seu lado e senti seu hálito em meio ao vapor do banho quente.

Hoje eu não quis tomar café. Tinha um gosto fúnebre na boca. Um odor de rosas mastigadas invadiu o escritório. Ouvi seus passos, nas batidas de uma porta mal encostada, que dançava com o vento. Não, não senti suas mãos.

Disse aos amigos o quanto os amo. Sabe-se lá de onde veio essa vontade... Resolvi perguntar, já que ela estava ao meu lado.

“Veio de você?”

A Substância - Por Paulo Soriano

Chamo-me Victoria Birth Hatherly e meu pai acaba de ser enforcado, após três meses de reclusão e um julgamento tumultuoso.

      Ontem à noite, os verdugos permitiram-me, finalmente, visitar o meu pai.  Ele estava bem mais sereno do que eu podia esperar.  Deu-me um beijo de despedida e depositou em minha mão uma longa carta.   Disse-me que não dispunha de tempo suficiente para fazer, pessoalmente, as incríveis revelações que, ao longo de dois dias, freneticamente entornara na missiva. Pediu-me, apenas, que lesse a carta com a maior urgência possível, porque eu estava circunscrita por um grande e iminente perigo.


Travessia

Foi com olhos quase tristes que ela disse:
- Ele se foi para não voltar, esqueça!
Quis chorar, depois estendi as mãos e pedi:
- Deixa eu ir também?
- Não pode, a travessia é de solidão.
- Mas a minha começou tão cedo... e tem sido longa demais...

Mesmo assim a morte se foi sem mim.

Só espero - Por Angel Ruiz

Estou aqui, apenas esperando que tripudie, que pisoteie meu crânio e ria novamente.
Apenas esperando que sambe encima desse corpo morto
Que cuspa no caixão aberto
Que corte a carne ainda fresca da morte recente
Frite e coma esse coração magoado e amargurado pela perda e pela solidão.
Faça isso com todo o prazer... Com amor e ódio...
Em nome de todos os seus martírios
Arranca fora esses olhos que choram agora
Deixa as lágrimas se misturarem com o sangue a correr livres
Deixa-me chorar todas as dores e mágoas que tenho em mim
Quem sabe assim elas cessem.
Espero ainda que me deixe morrer aos poucos, cega para o mundo...

1 de nov. de 2010

Ampulheta - Por Flávio de Souza



A chuva gelada, que caía lá fora, não amenizava a temperatura elevada de seus pensamentos. Vivian olhava através do vidro da janela e pensava sobre uma fórmula mágica que pudesse livrá-la da situação difícil na qual se encontrava.

Sempre fora uma garota muito cética. Crendices e superstições nunca fizeram parte de seu estilo de vida, nem mesmo o horóscopo do jornal de domingo lhe atraía. No entanto, os acontecimentos dos últimos dias fizeram com que ela repensasse a respeito de suas próprias convicções.

Até um mês atrás,  Vivian seguia a rotina que marcava a sua vida, sem maiores problemas. No entanto, a incerteza selvagem, a qual assalta de súbito a todos aqueles que caminham pelas ruas das grandes cidades, resolvera apanhá-la em um desses momentos que julgava tão comum.


Fúnebre - Por Adrianna Alberti

Aos senhores aí distraídos:
Aviso!
Adormecem sob meus restos
Mas não percebem e não sentem.
Apenas cuidado onde pisam
Fiz desse chão banquete aos vermes
Fiz desse sereno minha última morada
Perdoem meus os trajes.
Apenas cuidado!
Não profanem meu descanso.




Ela - Por Luiz Poleto



Sentada naquele banco, ela contemplava a imensidão do lago à sua frente. A tonalidade escura parecia exercer algum tipo de fascínio nela, que todo dia estava ali, sentada. Ao fundo, no horizonte, a imensa cadeia de montanhas rodeava o lago, quase formando uma prisão natural.

Todos os dias, algumas pessoas chegavam, algumas parecendo desnorteadas, e paravam na beira do lago. E ela levantava, fazia um sinal, e as pessoas a acompanhavam. Algumas relutavam, mas por fim, por não terem lugar aonde ir naquele imenso deserto, acabavam indo também.

Sem dar uma palavra, ela as guiava até a outra extremidade do lago, onde a água parecia mais escura do que antes, e, em movimento das mãos, as águas se afastavam – como em um gesto bíblico – e revelavam uma escadaria, que descia para dentro do lago até onde a vista alcançava.

Meu, Seu - Por Susana Lorena


Meu
O sorriso, o abraço
o beijo, o carinho
Seu
A frieza, a indiferença
Esquivar, soltar

Meu
A pergunta, a dúvida
a insistência, a espera
Seu
A resposta, a calma
a traição, o basta


Meu
Mais perguntas, mais dúvidas
a tristeza, a raiva
Seu
O ponto final, a decisão
O olhar, a sinceridade

O Lamento da Carne - Por Celly Borges


   









O Lamento da Carne

Na noite em que a mente implorava o eterno descanso,
minha única visão do imundo se fechou, cedendo o curso
ao verme que se desenvolve, propaga-se
na matéria orgânica em decomposição que sou.

Sina

Sina

Um roto andarilho
Pedia-nos a licença
De uns versos contar
Enquanto o navio
No porto aguardava

E frente a espera ociosa
Lúgubre cantilena tomou lugar

Falou-nos o cantador
De mórbida noite
Onde embriagado
Em velha taverna sonhava

Quando ao vento mais forte
Um violinista triste chegou
Versos tristes a declamar

Era o violinista poeta
Servo da escuridão
E em macabro oficio
Seguia em poemas
De severa desolação